É um tema que diz muito à Madeira e aos Açores, mas que poucos conseguem explicar com clareza. A Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA) é uma peça central na relação entre o Estado e as ilhas. Define quantos recursos chegam, como são geridos e com que autonomia. No entanto, para o cidadão comum, trata-se de um dossiê técnico, complexo, marcado por linguagem jurídica e fórmulas financeiras. E no entanto, tudo o que envolve investimento público regional, desde hospitais a estradas, do IRS regional ao apoio às empresas, passa por aqui. Se não repare no quadro abaixo as respectivas fórmulas.
É por isso que importa perceber do que se fala quando se discute uma revisão da LFRA, como está prestes a acontecer. O anteprojecto da nova Lei das Finanças Regionais será entregue nos próximos dias, segundo confirmou o deputado Paulo Neves ao Diário de Notícias da Madeira. Esta proposta, aguardada com expectativa tanto na Madeira como nos Açores, poderá reformular os critérios de repartição de verbas e reforçar o papel das Regiões na execução orçamental.
A LFRA estabelece nos termos do disposto no artigo 48.º a fórmula de repartição das transferências da Administração Central para cada uma das duas regiões autónomas. Essa distribuição obedece ao cumprimento do princípio da solidariedade consagrado na Constituição, nos estatutos político-administrativos e anualmente na lei do Orçamento do Estado (OE). O cálculo da repartição do montante global de transferência anual, conhecida como transferência de solidariedade, assenta em características estruturais que o legislador entendeu considerar: fatores populacionais, geográficos e de esforço fiscal.
O factor populacional tem uma ponderação global de 82,5% que resulta da soma das ponderações de três indicadores relativos à população:
- população total existente, com uma ponderação de 72,5%;
- população da região autónoma com idade igual ou superior a 65 anos, com uma ponderação de 5% e
- população da região autónoma com idade igual ou inferior a 14 anos, com uma ponderação de 5%.
No factor geográfico, com uma ponderação de 12,5%, releva-se o índice ultraperiferia cujo cálculo depende da soma ponderada de dois indicadores:
- a menor distância entre um ponto habitado da região autónoma e a capital de distrito do continente português mais próxima com uma ponderação de 70%;
- o número de ilhas com população residente na região autónoma com uma ponderação de 30%.
Finalmente, o factor relativo ao esforço fiscal tem uma ponderação de 5%, o qual resulta do rácio entre receitas fiscais da região autónoma e o produto interno bruto a preços correntes no ano.
O cálculo do valor de cada factor é obtido pelo produto da ponderação atribuída ao facctor e o peso relativo que o valor de cada indicador da região tem no conjunto das duas regiões autónomas. A soma do resultado dos factores relativos a cada região determina a percentagem de repartição a aplicar ao montante da transferência.
À transferência de solidariedade acresce a verba do OE relativa ao Fundo de Coesão (artigo 49.º). Este fundo destina-se a financiar programas e projetos de investimentos constantes dos planos anuais de investimento das regiões autónomas e visa assegurar a convergência económica com o restante território nacional.
O seu valor corresponde a uma percentagem que varia entre 0 e 55% do montante de transferência de solidariedade atribuída a cada região autónoma. Essa percentagem é uma função do rácio do PIB per capita da região em relação ao PIB per capita nacional. Não há lugar a esta transferência quando o PIB per capita da região é igual ou superior ao nacional; o valor máximo de 55% é atingido quando o PIB per capita regional é inferior a 90% do PIB per capita nacional. A lei determina ainda os escalões intermédios de 40% e 25%: no primeiro, quando o rácio do PIB per capita regional face ao nacional seja igual ou superior a 90% mas inferior a 95%, no segundo, quando aquele rácio resulte superior ou igual a 95% mas inferior a 100%.
A título de exemplo, no período de 2014 a 2022, o valor global de transferências do Estado para as Regiões Autónomas resultante da aplicação da actual LFRA totalizou 4475 M€. Deste montante, 3242 M€ respeitaram a transferências no âmbito da componente de solidariedade (artigo 48.º), sendo os restantes 1233 M€ relativas a verbas do fundo de coesão. Por região, a Região Autónoma dos Açores recebeu um total de transferências de 2426 M€, enquanto na Região Autónoma da Madeira essas transferências ascenderam a 2049 M€.
Esta diferença de 377 M€ no volume de transferências entre as duas regiões é explicada em 314 M€ (ou seja 83%) pelas verbas do OE relativo ao Fundo de Coesão. Os critérios de atribuição das verbas relativas a esta parcela determinam esta diferença. Contrariamente à anterior LFRA (Lei Orgânica n.º 1/2010, de 2 de setembro), em que o cálculo das verbas do Fundo de Coesão resultava de uma percentagem fixa de 35% para cada Região Autónoma, na atual LFRA passou a estar sujeita a uma percentagem variável.